Causas da ineficácia da educação no Brasil

Por ACI: 06/11/2023
William Ling, presidente do Conselho de Administração da Évora S.A.

Outro dia, um importante empresário gaúcho me perguntou porque se discute tanto educação, que aparenta ser um dos poucos consensos nacionais, mas pouco se faz para melhor. Respodi dizendo que, para mim, a razão é simples: a educação nunca foi prioridade da elite brasileira, pois nunca houve incentivos econômicos e políticos para isso.

No período colonial, não havia incentivo para educar o povo: a base da economia eram monoculturas sustentadas por latifúndios intensivos em trabalho escravo. A educação era feita à base do chicote. As primeiras escolas não foram fundadas por empresários ou pelo governo. Foram obra dos jesuítas, não para educar, mas para catequizar os nativos. A primeira universidade foi criada em 1920, quatro séculos depois da fundação da Universidade de Santo Domingo na América espanhola e só três séculos após a chegada dos portugueses foi impresso o primeiro livro no Brasil.

Nossa herança ibérica não nos favoreceu. Os portugueses não valorizavam a educação pra fins de desenvolvimento humano visando o trabalho. As escolas existiam para preparar burocratas para servir a Coroa e religiosos para a igreja.

A sobrevivência do regime monárquico também não dependia de eleitores, muito menos de uma população letrada. Os portugueses eram avessos aos trabalhos físicos. Após a reconquista, os escravos mouros eram quem executava atividades físicas e manuais, daí a palavra mourejar para descrever trabalhos extenuantes.

O historiador gaúcho Décio Freitas relatou que, quando iniciou-se a colonização no Vale do Sinos, os artesãos alemães eram chamados de ‘’os negros do vale” pelos portugueses da capital.

No Brasil do pós-guerra, a industrialização deu impulso a programas de treinamento pelas empresas, que precisavam capacitar seus empregados para poderem competir. As empresas preencheram, como preenchem até hoje, o vácuo criado pela omissão e incompetência do sistema de ensino, tanto público como privado, que não entrega pessoas produtivas para a sociedade.

No entanto, o tipo de indústria que prosperou por muito tempo no Brasil foi das intensivas em pessoas de baixa qualificação. A economia fechada à competição de importados, as reservas de mercado, os subsídios e a proteção governamental só agravaram a situação.

O que nos define como seres humanos é a nossa capacidade de pensar e cooperar, mas no Brasil, ainda hoje a noção de capital humano não foi assimilada pelo empresariado, que se refere aos seus colaboradores como 'mão de obra'. 

Seguimos na ribeira em todos os rankings dos indicadores de qualidade na educação, apesar de termos um dos maiores orçamentos em educação em relação ao PIB. Na minha opinião, essa ineficácia tem as seguintes explicações:

Primeira: a confusão entre educação e ensino ou escolaridade. Educação é o desenvolvimento de habilidades cognitivas, como a capacidade de se comunicar, de adquirir e processar informações e resolver problemas, e a capacidade de se comportar civilizadamente.

Escolaridade é fornecer conteúdo. Ensinar ofícios.

Segunda razão: o entendimento equivocado de que a responsabilidade pela educação é do Estado. Errado: a responsabilidade pela educação é dos país. O direito à paternidade e maternidade traz consigo a responsabilidade de educar. Com o direito de procriar, vem a obrigação de criar.

A responsabilidade pela educação é dos pais, que devem ter o direito à escolha de delegar o ensino para professores e escolas. A divisão do trabalho torno o processo educacional mais eficiente.

Ao Estado, cabe promover políticas públicas que suplementem e facilitem a educação e a escolarização. Se não mudarmos esse entendimento e não dermos condições aos pais de cumprirem sua obrigação mais nobre, só remos regredir!

Terceiro motivo: os já mencionados incentivos políticos e econômicos. A elite econômica, como já vimos, quer proteção de mercado, subsídios, o que reduz a necessidade de inovar e investir em capital humano. A baixa produtividade dos nossos trabalhadores nos condena ao atraso. A elite política quer votos e centra os gastos em aumentar a máquina pública e no ensino superior e médio, onde podem colher votos de professores e alunos, sem nenhum compromisso com qualidade.

O quarto e mais grave motivo é o total descaso com a educação pré-escolar. A ciência nos ensina que, até os seis anos, forma-se a maioria das conexões neurais, centenas de sinapses por segundo. Se não oferecermos os cuidados adequados na primeira infância, para que esse processo aconteça de forma plena, limitaremos de forma irreversível o futuro dessas crianças.

A ciência também nos demonstra como a combinação entre gravidez indesejada, falta de afeto, experiências traumáticas e influências masculinas violentas na primeira infância têm o potencial de produzir adultos violentos e criminosos.

O Brasil tem 20 milhões de crianças pobres, sendo 2,5 milhões das quais em situação de miséria, sem nutrição, sem cuidados médicos e sem estímulos positivos. São 11 milhões de mães que criam seus filhos sozinhas.

O investimento na primeira infância é a política de educação que mais retorno proporciona a uma sociedade. Os estudos que deram o prêmio Nobel de economia a James Heckmann demonstram que para cada real investido na primeira infância a sociedade colhe sete vezes mais de retorno.

Outra providência é ampliar o leque de opções para que os pais possam educar seus filhos de acordo com suas circunstâncias e preferências. Além do sistema de escolas públicas e privadas, deveríamos possibilitar as charter schools, o sistema de voucher ou vale alimentação, o homescholling ou a educação doméstica, sem falar no ensino técnico vocacional.

Precisamos de políticos e empresários com uma postura de estadistas, que entendam que vamos colher no futuro o que semearmos hoje. O Brasil é um dos países com maior desigualdade social no planeta. A história mostra que a desigualdade extrema, especialmente quando decorrente do descaso com os humildes e da injustiça, sempre descamba em violência.

Nós já vivemos uma guerra civil no Brasil com 48 mil homicídios no ano passado. Vejam o que está acontecendo na Bahia e no Rio de Janeiro. O Brasil representa 2,7% da população mundial, mas concentra 20% dos assassinatos, sendo o 8º mais violento entre 108 países, segundo o escritório das Nações Unidas para drogas e crimes.

A melhor forma de reduzir a desigualdade é dar igualdade de oportunidade através da educação. A forma com que tratamentos nossas crianças hoje definirá que tipo de adulto serão. Não estaremos bem e seguros se as pessoas ao nosso redor não estiveram bem e seguras, pensem nisso!

Por William Ling, presidente do Conselho de Administração da Évora S.A. Palestra proferida no evento de diplomação da nova diretoria da ACI para o biênio 2024-2025, no dia 25 de outubro, em Novo Hamburgo.

 

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