Critérios e procedimentos para dispensa por justa causa nas relações trabalhistas

Por ACI: 20/06/2024

A justa causa não é uma modalidade exclusiva de extinção de contrato bilateral do Direito do Trabalho. Um locatário pode dar justa causa para a rescisão do contrato de locação, assim como o distribuidor ou o agente (art. 720 do CCB) em relação ao representado e assim sucessivamente. Mas é evidente que, na esfera trabalhista, a simples pronúncia da expressão “justa causa” é suficiente para elevar as tensões e dificultar a comunicação entre empregado e empregador, justamente pelas consequências que esta ruptura do contrato de trabalho carrega.

Por essa e outras razões, é importante conhecer os requisitos para aplicação de forma adequada desta modalidade de dispensa, considerada a mais gravosa para o empregado.

A dispensa por justa causa, portanto, é considerada a penalidade máxima aplicada pelo empregador ao empregado que comete uma falta considerada grave o suficiente para romper o elo de confiança entre as partes, tornando a continuidade do contrato de trabalho insustentável. Ela também pode ser aplicada a faltas de menor gravidade, mas neste caso necessitam de ocorrências reiteradas, sem correção de conduta após a aplicação de punições mais leves, como advertências e suspenções.

A maioria das situações que permitem a dispensa por justa causa está concentrada no artigo 482 da CLT. Contudo, para aplicar a justa causa, a empresa deve observar uma série de condições detalhadas a seguir, que foram construídas com base na análise dos princípios norteadores do Direito do Trabalho e da jurisprudência dos tribunais trabalhistas, arroladas a seguir.

1 - Legalidade ou necessidade de previsão em lei

A falta grave que dá origem à justa causa deve estar expressamente prevista na lei. O empregador não pode criar hipóteses novas fora da legislação trabalhista.

2 - Nexo causal - culpa ou dolo do empregado

Somente são puníveis os atos dos empregados que tenham agido de forma intencional (dolo) ou culposa (imprudência, negligência ou imperícia). Por exemplo, um empregado envolvido em um acidente de trânsito com veículo da empresa, mas sem culpa, não pode ser punido.

3 - Proporcionalidade

A gravidade da conduta do empregado deve ser forte o bastante para tornar insuportável o prosseguimento do contrato. Logo, a justa causa é a penalidade máxima na relação de emprego. A conduta do trabalhador deve realmente quebrar o vínculo de confiança. Atos de menor gravidade, como um atraso isolado, não são graves o suficiente para justificar a justa causa, mas podem resultar em aplicações de outras medidas disciplinares, como advertência e suspensões.

A persistência dessas faltas menores pode levar à justa causa. As decisões judiciais mostram que, em muitos casos, a ausência de histórico de outras faltas afasta a justa causa aplicada ao empregado. Nestes casos, é necessário a repetição do mesmo ato, como no caso da desídia, que é a repetição de ausências e atrasos, além das formas de negociação “habitual” em serviços e da prática de jogos de azar, que a legislação exige seja “constante”.

Por outro lado, atos isolados, como apresentação de atestado médico falso, agressão física no trabalho ou desvio de valores da empresa, podem justificar a aplicação da justa causa.

4 - Imediatidade na punição

A justa causa deve ser aplicada logo após a descoberta do ato faltoso, não podendo gerar dúvida sobre a tolerância do ato. A demora na aplicação pode resultar na perda do direito de aplicar a justa causa, pela caracterização de perdão tácito da falta cometida pelo trabalhador.

5 - Punição inédita

O empregado só pode ser punido uma vez pela mesma falta. Se já recebeu uma punição, como uma advertência ou suspensão, a justa causa não pode ser aplicada pelo mesmo fato.

6 - Comunicação da justa causa

A comunicação da justa causa ao empregado não precisa ser por escrito, mas é aconselhável para produzir prova da aplicação da penalidade. Embora haja divergência sobre a necessidade de detalhamento do motivo, é prudente que a empresa informe tanto o fato detalhado quanto a tipificação legal da falta.

7 - Igualdade de tratamento

A empresa deve aplicar a justa causa de forma igualitária a todos os empregados que cometerem a mesma falta, garantindo tratamento justo e uniforme a todos os envolvidos.

8 - Empregados com estabilidade

Empregados com garantia provisória de emprego, como a gestante, o acidentado e o membro da CIPA, também podem ser dispensados por justa causa. A exceção é o dirigente sindical, cuja dispensa por justa causa depende de decisão judicial após inquérito para apuração de falta grave.

9 - Verbas devidas

Na dispensa por justa causa, o trabalhador tem direito a receber um rol reduzido de verbas, comparado à dispensa sem justa causa ou ao pedido de demissão. São devidos apenas o saldo salarial referente aos dias trabalhados e ainda não pagos, as férias vencidas acrescidas de um terço e o décimo terceiro salário vencido.

Considerações finais

A dispensa por justa causa é uma medida extrema que exige do empregador rigor na observância dos requisitos legais e dos princípios que regem as relações trabalhistas. A aplicação dessa penalidade deve ser pautada pela proporcionalidade, imediatidade e igualdade de tratamento, garantindo que apenas as faltas devidamente tipificadas e comprovadas resultem na ruptura do vínculo empregatício por essa grave modalidade. O correto manejo, aliado à documentação adequada, é essencial para resguardar o direito do empregador de romper o vínculo empregatício e minimizar riscos de passivos trabalhistas. Assim, a justa causa se configura não apenas como uma penalidade ao empregado, mas também como uma ferramenta de gestão que deve ser utilizada com técnica e responsabilidade.

A consultoria trabalhista da ACI-NH/CB/EV/DI está à disposição dos associados para auxiliar na correta aplicação desta medida de dispensa, oferecendo orientação técnica para minimizar a possibilidade de reversão em caso de questionamentos judiciais.

No próximo mês, daremos continuidade aos estudos sobre a justa causa com a publicação de um artigo detalhando os atos do empregado que são passíveis de aplicação dessa gravosa medida de extinção do vínculo empregatício.

Daniela Baum - Advogada
Consultora trabalhista e integrante do Comitê Jurídico da ACI-NH/CB/EV/DI
Baum Advocacia & Consultoria Empresarial

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