Morte Digna e o Testamento Vital (Rentev)

Por ACI: 25/11/2016

Há médicos altamente capacitados para assistir doentes terminais e aliviar seus sofrimentos não prolongando a situação, tudo sob a égide de normas. São cuidados paliativos, recomendados para diminuir o sofrimento. Em abril de 2010 o Código de Ética Médica estabeleceu no artigo 4º, parágrafo único: “Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal.” Outrossim é facultado às pessoas estabelecer diretrizes através do testamento vital, conforme Resolução nº 1.995 do Conselho Federal de Medicina. Os tabeliões ou advogados podem redigí-los. No Brasil há plataforma on-line que permite a qualquer pessoa cadastrar e armazenar seu testamento vital, documento no qual registra a vontade de recusar procedimentos tidos como inúteis em casos de doenças terminais.

Desenha-se, destarte, com mais precisão o quadro em que se deve encaixar a conduta para se excluir a ilicitude do comportamento:
1) Morte iminente e inevitável;

2) atestado dessa situação por dois médicos;

3) ação consistente em deixar de manter artificialmente a vida do paciente;

4) consentimento do paciente;

5) na impossibilidade de dar o paciente o consentimento, deve este ser dado pelo ascendente, descendente, cônjuge, companheiro ou irmão.

Em razão da falta de legislação sobre o tema no país, não existe um padrão de documento. Para fazer o registro, a pessoa precisa entrar no sistema (http://testamentovital.com.br/) e colocar os dados pessoais. No final, será gerado um código de acesso que a pessoa pode partilhar com algum familiar, médico ou advogado.

Os primeiros testamentos vitais surgiram nos Estados Unidos, na década de 1960. Atualmente, vários países europeus, como Alemanha,
Espanha, Portugal e Inglaterra, já reconhecem a validade legal desses documentos.

Em 2012, pela Resolução referida, o CFM regulamentou o assunto, dando aos pacientes o direito de definir antecipadamente os limites para a atuação dos médicos.

A resolução do conselho diz que os desejos expressos no documento devem prevalecer, inclusive, sobre a vontade dos familiares.

A exceção ocorre quando as escolhas do paciente afrontam os preceitos da ética médica. A eutanásia é vetada e sobre ela falaremos a seguir.

O testamento vital pode ser redigido por qualquer pessoa maior de 18 anos e pode ou não ser registrado em cartório.

A matéria abordada autoriza extrapolar no assunto.

Há muitos anos analisamos uma sentença de um juiz francês, cheia de sentimentos humanos e profunda reflexão, que condenava um pai por haver morto seu filho paraplégico, já que se tinha como velho e sem mais condições de cuidar do doente. Tratava-se de uma grande lição de vida. Situações semelhantes têm acontecido. A eutanásia suscita muitas controvérsias. Ela foi praticada por várias razões, principalmente para acabar com sofrimento.

É uma palavra composta, de origem grega – de eu (bem) + thanatos (morte), e significa “morte boa”, morte tranquila, livre de sofrimentos e foi usada pela primeira vez, no século XVII, por Francis Bacon.

O renomado jurista Del Vecchio contou que um gesto especial dos Césares nos combates efetuados no circo romano, decretava o sacrifício do lutador ferido de morte, que enfrentava agonia cruel.

Seria um ato de compaixão, portanto eutanásico.

O cristianismo não admite a prática, invocando o mandamento “Não matarás”; bem como a passagem da morte de Cristo, recusando ingerir a mistura de vinagre e fel, para que sofresse menos.

Na Índia antiga, os doentes incuráveis eram atirados às águas do rio Ganges, o rio sagrado. Já em Esparta eram arremessados os seres deformados ou cacoplásicos, do alto de uma montanha.

No episódio bíblico, o rei David revela toda a sua repulsa à prática eutanásica, quando sentenciou de morte o amalecita que lhe contou que havia morto por piedade o rei Saul, no monte de Gelboe, porque ousara tirar a vida do ungido de Deus (Livro segundo Samuel – Cap. I, 9 e 10).

A eutanásia passou por várias fases no correr do tempo. Um cliente nosso quando tinha um paciente sofrendo muito, com a concordância da família, aplicava uma injeção letal. Isso deve acontecer reiteradamente, também em outros países, embora inadmitido por lei. A matéria versada foi o fundo do filme “Presságios de um Crime”. Surpreendentemente o arcebispo sul-africano Desmond Tutu, há poucos dias, manifestou querer ter o direito à eutanásia.

Várias legislações admitem esta forma de morte, mas no Brasil é crime. Nosso Código Penal não considera o homicídio eutanásico.

A única disposição legal que se poderia admitir em certos casos de eutanásia seria o § 1º do art. 121, que prevê o homicídio com diminuição de pena nos casos de o agente cometer o crime impelido por relevante valor social ou moral e, assim mesmo, sem qualquer referência específica em diploma penal.

Há legislações que atenuam a pena de homicídio piedoso, como aconteceu no julgado antes aludido. Recentemente o primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, propôs ao Parlamento a legalização do suicídio assistido por médicos em casos de pessoas com problemas de saúde graves. A prática já é legal na Suíça, Alemanha, Albânia, Colômbia, Japão, Bélgica e em cinco estados dos EUA.

Pela eutanásia a agonia se desenrola sem dores e as funções sensoriais vão se extinguindo pouco a pouco, considerando-se libertadora a morte. O novo governo em Portugal está pretendendo legalizar a eutanásia, considerando esta morte assistida como humanitária. A Bélgica, único país do mundo onde se pode aplicar a eutanásia sem limite mínimo de idade, a realizou faz poucos dias, pela primeira vez, em um menor de idade.

ADALBERTO ALEXANDRE SNEL | ADVOGADO
Integrante do Comitê Jurídico da ACI-NH/CB/EV

 

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