Retorno do benefício previdenciário: doenças graves, doenças comuns e referência de dispensa discriminatória e reintegração

Por ACI: 22/07/2024

Pergunta recorrente no âmbito das relações inerentes ao contrato de trabalho é em relação à possibilidade de desligamento de empregado que retorna do benefício de auxílio-doença. A resposta é: depende. No judiciário trabalhista, tramitam inúmeros processos com este objeto, via de regra alegando a ocorrência de dispensa discriminatória e utilizam como fundamento a Lei nº 9.029/1995, dispositivo legislativo que veda a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros.

A redação normativa do referido dispositivo legislativo tem como objeto impedir a ocorrência de dispensa que possa produzir estigma ou preconceito, o que provoca, em caso de ocorrência, na nulidade do desligamento com a consequente reintegração do empregado e a condenação ao pagamento das verbas que tenha deixado de receber entre a data da dispensa e o momento de reintegração.

Transcreve-se decisões proferidas no âmbito do Tribunal Regional do Trabalho da 4° Região nesse sentido:

EMENTA DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. A dispensa discriminatória pode ocorrer por diversos motivos, inclusive por motivos de saúde, quando o empregado é portador de doenças com estigma social. Sendo o empregado portador de doença estigmatizante, considerando que a hipótese se enquadra na Súmula n. 443 do TST, cabia à reclamada o ônus de provar motivo diverso para a dispensa do trabalhador, a fim de afastar a presunção de que a despedida se deu de forma discriminatória, do que não se desincumbiu a contento. (TRT da 4ª Região, 8ª Turma, 0020379-97.2023.5.04.0331 ROT, em 28/06/2024, Desembargadora Brigida Joaquina Charao Barcelos)

EMENTA RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMANTE. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. EMPREGADO PORTADOR DE PATOLOGIA GRAVE REINTEGRAÇÃO NO EMPREGO. Caso em que restou comprovado que o empregador tinha conhecimento de que o trabalhador era portador de doença grave e permanente, sendo discriminatória a sua despedida. Aplicação ao caso da Lei n. 9.029/95 e da Súmula n. 443 do TST. Recurso provido. (TRT da 4ª Região, 8ª Turma, 0020387-83.2022.5.04.0016 ROT, em 15/12/2023, Desembargador Luiz Alberto de Vargas)

EMENTA MANDADO DE SEGURANÇA. REINTEGRAÇÃO AO EMPREGO. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego. Segurança concedida.  (TRT da 4ª Região, 1ª Seção de Dissídios Individuais, 0026822-87.2023.5.04.0000 MSCIV, em 14/03/2024, Desembargador Fabiano Holz Beserra)

Dessa forma, não resta dúvida que nas hipóteses onde o contexto e a conduta adotada pelo empregador no momento da dispensa afrontam a redação do referido instrumento legislativo, haverá condenação com a reintegração, pagamento dos valores devidos no lapso temporal entre a dispensa e a reintegração além da reparação por danos morais decorrentes.

No entanto, em contrário senso, nas hipóteses onde o empregador dispor da informação de que o afastamento ocorrido em face de ter sido o empregado acometido de doenças comuns, não se aplica o referido dispositivo legal, e justamente nesse sentido versa a jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, a qual se transcreve:

DESPEDIDA DISCRIMINATÓRIA. NÃO CONFIGURAÇÃO. Não é possível presumir como discriminatória a dispensa de trabalhadora cuja doença não suscite estigma ou preconceito. Caso em que não há prova de que a despedida ocorreu em face das patologias da autora. (TRT da 4ª Região, 1ª Turma, 0020193-83.2021.5.04.0383 ROT, em 19/10/2023, Desembargador Roger Ballejo Villarinho)

EMENTA RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMANTE. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. NÃO CONFIGURAÇÃO. 1 - Somente quando se tratar de empregado portador de doença grave é que haverá presunção da dispensa discriminatória, cabendo ao demandante comprovar a alegada discriminação nos demais casos. 2 - Hipótese em que a enfermidade da autora não se enquadra nas hipóteses previstas na Lei nº 9.029/1995 e na Súmula nº 443 do TST, não tendo ela se desincumbido de seu ônus probatório quanto à alegada discriminação. 3 - Recurso ordinário não provido. (TRT da 4ª Região, 5ª Turma, 0020618-13.2022.5.04.0404 ROT, em 13/11/2023, Desembargadora Angela Rosi Almeida Chapper)

Cumpre destacar que o teor da súmula 443 do Tribunal Superior do Trabalho que dispõe:

SÚMULA N.º 443. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. PRESUNÇÃO. EMPREGADO PORTADOR DE DOENÇA GRAVE. ESTIGMA OU PRECONCEITO. DIREITO À REINTEGRAÇÃO.

Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego. Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25-9-2012

Diante do contexto legislativo e jurisprudencial, é possível destacar que a dispensa sem justa causa pelo empregador está vinculada ao seu poder diretivo, entretanto, é necessária conduta cautelosa nas hipóteses onde o empregado é acometido de patologia grave e/ou permanente, não que a sua dispensa seja completamente vedada, pois isso representaria uma espécie de estabilidade não estabelecida em lei, mas o acometimento pela doença não pode de nenhuma forma estar vinculado aos motivos do desligamento.

Sabe-se igualmente que o prontuário médico é sigiloso e que a identificação da patologia da qual o empregado paciente está acometido somente é descrita no atestado médico sob sua autorização. O empregador nem sempre tem o conhecimento do quadro clínico do empregado, incumbindo, em caso de uma reclamação trabalhista imputando dispensa discriminatória, ao empregado provar o conhecimento pelo empregador da doença da qual é portador.

Entretanto, nas hipóteses onde a patologia da qual o empregado está acometido não guarda relação com as suas atividades laborais, não mas quando se tem a clara indicação de que os afastamentos do empregado aconteceram por ele ter sido acometido por doenças comuns, sem relação, portanto, não havendo motivo para se falar em dispensa discriminatória.

César R. Nazario - Advogado
Integrante do Comitê Jurídico da ACI-NH/CB/EV/DI
Nazario & Nazario Advogados Associados

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