STJ vai julgar direito a salário-maternidade na pandemia

Por ACI: 04/02/2025

A 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) vai definir se as mulheres grávidas que foram afastadas de suas funções durante a pandemia da covid-19 têm direito a receber o salário-maternidade. Se tiverem, as empresas poderão pleitear, ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), o ressarcimento dos pagamentos feitos às funcionárias durante esse período.

A discussão envolve a Lei nº 14.151, de 2021. A norma determinou que as mulheres gestantes deveriam fazer home office, quando possível, durante a emergência sanitária. Se não fosse possível, deveriam ser afastadas, mas recebendo o salário integral. No ano seguinte, a norma foi alterada pela Lei nº 14.311 para limitar o afastamento às grávidas que não tivessem completado o ciclo vacinal contra a covid-19.

O que as empresas questionam é se os salários pagos na época podem ser enquadrados como salário-maternidade - que é custeado pelo INSS. O próprio STJ já tem jurisprudência a respeito do tema, e ela é pró-Fisco.

Em maio de 2024, a 1ª Turma julgou o caso de uma empresa de Blumenau (SC) que pleiteava a reposição dos salários pagos durante todo o período de emergência de saúde pública. O pedido foi negado em primeiro grau e, posteriormente, reformado no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4). Segundo o STJ, no entanto, "a Lei nº 14.151/2021 determina apenas o afastamento da gestante do trabalho presencial, não se tratando de suspensão ou interrupção do contrato de trabalho, mas de alteração na sua forma de execução". Assim, não seria possível compensar os salários pagos à empregada (REsp 2098376).

A 2ª Turma também tem precedente desfavorável ao contribuinte. Em junho de 2024, o colegiado assentou que não é possível enquadrar a situação no salário-maternidade porque isso seria "conceder benefício previdenciário sem previsão legal, sem a correspondente indicação da fonte de custeio e em desrespeito ao equilíbrio financeiro e atuarial", o que contraria a Constituição em seus artigos 195 e 201, respectivamente (REsp 2109930).

No entanto, como essas decisões não têm efeito vinculante, os tribunais regionais federais (TRFs) têm aplicado entendimentos divergentes. O TRF-1, que abrange treze Estados e o Distrito Federal, tem jurisprudência mais desfavorável ao contribuinte, assim como o TRF-3, que abrange São Paulo e Mato Grosso do Sul.

Em uma decisão de maio do ano passado, a 2ª Turma do TRF-3 negou o pedido de uma empresa. Para o colegiado, não é possível equiparar a situação das grávidas durante a pandemia à situação em que elas têm de ser afastadas de locais insalubres, mantendo o direito ao adicional (processo nº 5004767-85.2021.4.03.6128).

O tribunal mais consistente, no entanto, é o da 4ª Região, que atende os Estados da região Sul. Há inúmeros precedentes favoráveis aos contribuintes. Segundo um deles, houve omissão legislativa na redação da Lei nº 14.151, o que justifica a atuação do Judiciário na equiparação da situação das grávidas com a que enseja o pagamento de salário-maternidade (processo nº 5005244-35.2022.4.04.7005).

Mais contundente do que esses precedentes, no entanto, foi uma decisão da Turma Nacional de Uniformização (TNU), que vincula as decisões nos juizados especiais federais, que julgam casos de até 60 salários mínimos (hoje equivalentes a R$ 91.080). Em setembro, por maioria, o TNU fixou a tese de que "enquadra-se como salário-maternidade a remuneração paga às trabalhadoras gestantes afastadas por força da Lei 14.151/2021, quando comprovada a incompatibilidade com o trabalho à distância e for inviável a alteração de suas funções" (Tema 335).

Especialistas apontam que a tendência é que o STJ mantenha a jurisprudência que já é predominante nas duas turmas. Porém, afirmam, os ministros deveriam aproveitar a oportunidade para rever o entendimento.

Rinaldo Braga, tributarista e sócio do escritório Lavez Coutinho, acredita que o STJ está incorrendo em um "sério erro de premissa", ao partir do princípio de que o fundamento para pagamento do salário-maternidade é a Lei nº 14.151, quando, na verdade, seria a própria Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

"A hipótese já era tratada na própria CLT, e a questão era apenas saber se a exposição do vírus naquele período era ou não um agente nocivo, que configuraria a insalubridade", afirma o advogado.

Ele destaca que o julgamento terá caráter definitivo, já que o Supremo Tribunal Federal (STF) já declarou que a questão é infraconstitucional - e, portanto, não vai se pronunciar a respeito (RE 1472734).

Além disso, a própria Lei nº 14.151 entende que a gestante não poderia trabalhar presencialmente durante a pandemia porque qualquer ambiente era considerado insalubre, explica Gustavo Mitne, diretor do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), que atua como amicus curiae (parte interessada) no processo.

Ele diz que a maior prevalência dos afastamentos ocorreu, provavelmente, nas empresas do setor de saúde, mas que a necessidade de afastamento com manutenção do salário integral também afetou o varejo. "Quem pagou essa conta, até agora, foi o empregador, e não é justo, porque quem mandou afastar a trabalhadora foi o Estado", argumenta.

Antonio Vasconcellos Júnior, sócio-fundador da AVJ Advogados e especialista em Direito Trabalhista e Empresarial, defende ainda que nem o empregador nem o empregado interromperam o trabalho por vontade própria. "A compensação seria importante até para reconhecer todo o esforço que as partes da relação de trabalho fizeram para enfrentar a pandemia."

Em nota, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), que apresentou os recursos ao STJ, afirma estar confiante na rejeição da equiparação pedida pelas empresas. "Trata-se de tese que busca desvirtuar uma política pública que foi definida pelo legislador para enfrentar parte dos efeitos da pandemia de covid-19, implementada pela Lei nº 14.151/2, criando benefício previdenciário sem lei e sem anterior fonte de custeio e admitindo hipótese de compensação tributária sem previsão legal", diz o órgão.

Para a PGFN, a tese esconde "certo preconceito" contra as mulheres grávidas, "ao intuir que estas teriam menor capacidade para o trabalho remoto". Dessa forma, acrescenta, as empresas estariam desconsiderando a escolha política feita em um "momento de grave comoção nacional" para beneficiar "única e exclusivamente o empregador em detrimento de toda a coletividade", já que as mulheres grávidas já foram pagas e a compensação não as beneficiará diretamente.

Procurado pelo Valor, o INSS, que teria que arcar com os pagamentos em caso de decisão favorável às empresas, afirma que não comenta processos em andamento, apenas obedece às decisões judiciais. (Fonte: (Valor Econômico)

César Romeu Nazario
Integrante do Comitê Jurídico da ACI-NH/CB/EV/DI
Nazario & Nazario Advogados

 

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