Validade do pedido de demissão da empregada gestante

Por ACI: 15/07/2024

Questionamento recorrente no âmbito das relações de trabalho está relacionada ao pedido de demissão da empregada gestante, que dispõe do direito à estabilidade desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, nos exatos termos do artigo 10, inciso II, alínea “b” do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), portanto uma garantia constitucional.

O objetivo do legislador constituinte foi proteger a mãe e o nascituro (conforme também determina o artigo 227 da CF) através da estabilidade provisória, conferindo à empregada gestante condições essenciais de sustento durante a gestação e nos primeiros meses de vida da criança, com a manutenção do emprego e a impossibilidade de dispensa, salvo na hipótese de cometimento de falta grave.

No âmbito do judiciário trabalhista, o Tribunal Superior do Trabalho pacificou seu entendimento no sentido de que, na circunstância em que o empregador desconhece a condição de gestante da empregada, não afasta o direito à estabilidade (Súmula nº 244 do TST, inciso I); que o direito à reintegração da gestante só é possível durante o período de estabilidade (Súmula nº 244 do TST, inciso II); e que é irrelevante que o contrato seja por tempo determinado, pois uma vez comprovada a gestação, o direito à estabilidade prevalece (Súmula nº 244 do TST, inciso III).

Além da dúvida em relação à validade do pedido de demissão da empregada gestante, outra incerteza que permeia o contexto é a hipótese de ocorrência e validade do pedido de demissão em caso de desconhecimento da empregada em relação a sua condição de gestante.

Via de regra, não havendo provas ou indícios de vício de vontade que confira nulidade ao pedido de demissão, em princípio, este deve ser considerado válido.

O desconhecimento pela empregada da sua condição de gestante não pode ser considerado vício de consentimento e, portanto, capaz de desabonar o pedido de demissão. Os vícios de consentimento referem-se à divergência entre a vontade real da empregada e a vontade manifestada por meio do pedido de demissão, circunstância que pode ocorrer por diversos motivos, mas principalmente a coação.

No entanto, o Tribunal Superior do Trabalho manifesta o entendimento de que, ainda que não tenha havido vício de vontade e mesmo que a empregada não detenha conhecimento da sua condição de gestante à época em que solicitar sua demissão, será nulo o pedido, pois remanesce a necessidade de assistência sindical para a sua validade, conforme determina o artigo 500 da Consolidação das Leis do Trabalho, conduta necessária para revestir de legalidade o pedido de demissão do empregado estável:

“O pedido de demissão do empregado estável só será válido quando feito com a assistência do respectivo Sindicato e, se não o houver, perante autoridade local competente do Ministério do Trabalho e Previdência Social ou da Justiça do Trabalho.”

Na verdade, esse é o entendimento convalidado pelo Tribunal Superior do Trabalho, que entende que o referido dispositivo legislativo mantém sua plena vigência e se aplica a todas as modalidades de garantia provisória de emprego. Nesse sentido, transcreve-se as seguintes ementas:

“RECURSO DE REVISTA. LEIS Nºs 13.015/2014 E 13.467/2017. RITO SUMARÍSSIMO. GESTANTE. GARANTIA PROVISÓRIA DE EMPREGO. CONTRATO POR PRAZO DETERMINADO. SÚMULA Nº 244, III, DO TST. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. 1. Esta Corte, adotando a teoria da responsabilidade objetiva, considera que a garantia constitucional prevista no art. 10, II, b, do ADCT é norma de ordem pública, irrenunciável, pois objetiva a proteção à maternidade e ao nascituro. 2. Dessa forma, interpretando o art. 500 da CLT, a jurisprudência firmou o entendimento de que é inválido o pedido de demissão sem assistência sindical da empregada gestante, independente da duração do contrato de trabalho ou da ciência do estado gestacional pelo empregador, uma vez que a validade do pedido de dispensa de empregada gestante está condicionada à homologação prevista no referido dispositivo. 3. Ademais, nos termos da Súmula nº 244, III, do TST, a empregada gestante tem direito à estabilidade provisória prevista no art. 10, II, b, do ADCT, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado. 4. Nessa esteira, a jurisprudência desta Corte Superior permanece firme no sentido de que o fato de a trabalhadora ter sido admitida no regime do contrato de experiência não afasta o direito à estabilidade provisória prevista no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, tendo em vista que, nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o art. 10, II,”b”, do ADCT exige apenas a anterioridade à dispensa imotivada. Precedentes. 5. A Corte de origem, ao afastar o direito à estabilidade provisória da reclamante, decidiu em desacordo com a jurisprudência desta Corte Superior. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento” (RR-10627-50.2021.5.18.0083, 3ª Turma, relator ministro Alberto Bastos Balazeiro, DEJT 26/3/2024).

“RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017. GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. PEDIDO DE DEMISSÃO. AUSÊNCIA DE ASSISTÊNCIA DO SINDICATO DA CATEGORIA PROFISSIONAL. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA. No caso em tela, a discussão acerca da validade do pedido de demissão firmado pela empregada gestante, sem homologação do sindicado da categoria, detém transcendência política, nos termos do art. 896-A, § 1º, II, da CLT. Transcendência reconhecida. Predomina nesta Corte o entendimento de que a assistência sindical é imprescindível nos casos de pedido de demissão de trabalhadora detentora da estabilidade provisória da gestante, ainda que haja desconhecimento da gravidez no momento do pedido. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido.” (TST – RR: 1001370-39.2019.5.02.0005, relator: Augusto Cesar Leite de Carvalho, data de julgamento: 11/6/2024, 6ª Turma, data de publicação: 14/6/2024)

“AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. LEI Nº 13.467/2017. PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO ARGUIDA EM CONTRAMINUTA. A reclamante, em contraminuta, argui a preliminar de não conhecimento do agravo de instrumento, sob o argumento de não ter atendido aos requisitos da Súmula nº 422, I, do TST. Diante da efetiva fundamentação do agravo de instrumento, não há incidência desse verbete. Preliminar rejeitada. ESTABILIDADE DA GESTANTE. RESCISÃO CONTRATUAL POR INICIATIVA PRÓPRIA. DESCONHECIMENTO DA GRAVIDEZ, À ÉPOCA DO PEDIDO DE DISPENSA. AUSÊNCIA DE ASSISTÊNCIA SINDICAL OU DA AUTORIDADE COMPETENTE. INDENIZAÇÃO SUBSTITUTIVA. Esta Corte tem firme entendimento no sentido de que o pedido de demissão da empregada gestante, ainda que desconhecido seu estado gravídico, sem assistência sindical ou da autoridade competente, não acarreta renúncia à estabilidade provisória, analogicamente nos termos do art. 500 da CLT. Como a decisão monocrática foi proferida em consonância com a mencionada jurisprudência pacificada por esta Corte, deve ser confirmada a negativa de seguimento do agravo de instrumento. Agravo interno a que se nega provimento, com incidência de multa.” (TST – Ag-AIRR: 00000125420235140111, relator: Jose Pedro de Camargo Rodrigues de Souza, data de julgamento: 26/6/2024, 6ª Turma, data de publicação: 28/6/2024)

Dessa maneira, comprovado que a empregada ostentava a condição de gestante quando formalizou pedido de demissão, ainda que sem conhecimento o conhecimento, o pedido de demissão formulado só será válida se houver assistência da entidade classista profissional ou autoridade competente, nos exatos termos da legislação trabalhista vigente.

César Romeu Nazario - Advogado
Integrante do Comitê Jurídico da ACI-NH/CB/EV/DI
Nazario & Nazario Advogados Associados

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